Por
hora, as coisas estão soltas, o voo atrasou, o dia se calou na sua suprema
conturbação, vários passos se interligam e se vão diante o mesmo local de
embarque e desembarque. Nem ida nem volta, estou duelando entre minha dupla
angustia, a noite soa em doses distintas de vozes, risos, abraços de
despedidas, saudações de chegada, e, eu, permaneço no mesmo estado latente de
perplexidade emocional.
Os
casais expõem explicitamente seus momentos felizes, não mais me reconheço na
tentativa de ser indiferente aos beijos e caricias trocados entres os
enamorados, tudo é frio e ardente ao mesmo tempo; e aquele tempo não passa, ou
esta dor infeliz insiste em não dizer adeus. Em meio a tantos atrativos a febre
continua, nem mesmo o ensurdecedor barulho das turbinas dos aviões me assusta,
ou me arrancam risos como antigamente. Já é madrugada, faço check-in, despacho as
malas, vivo de excessos ultimamente, excesso de dor, de rancor, de remorso, de
saudade, excesso de sobra de tempo, excesso até de bagagem!
Agora
passa da meia noite, depois de lançar os passos trôpegos por toda esta
habitação momentânea, sento-me para alivio dos pés, porém a alma permanece
carregada e não há nada que seja interessante para este ser, além de escrever.
É hora do embarque, irei a destino à cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro que
tanto me fascina, mas hoje deveras nem isso me cativar. Pois bem tomei em meus
braços o dia cinco de agosto na capital baiana, mas vi o dia receber seus
primeiros raios solares em solo carioca, foi indescritível saudar o Cristo
Redentor numa madrugada cheia de graça, na graça natural de um sorriso atraente
da comissária de bordo.
Ancorada
no Aeroporto do Galeão, aguardo a partida do voo para meu destino final. Na
espera do segundo embarque do dia, observo as pessoas, vagamente ainda consigo
esboçar um meio sorriso amarelo e sem graça para os que me cumprimentam, depois
firmo meu olhar para minha companhia de viagem, estou a reler Os Sofrimentos do
Jovem Werther do magnífico Goethe; cada carta de Werther para Wilhelm reflete
em mim o mesmo sabor conflitante do amor, a mesma forçosa renuncia imposta pelo
outrem. O mundo me parece sombrio e amargo, vou sem saber por que, e para que,
sei apenas que estou indo, e nesse momento não há nada que eu possa fazer.
Portão vinte e cinco, fecho o livro, lanço a mochila às costas e vou para o
corredor, alguns oi, olá, e o bom dia sempre receptivo da aeromoça, mas uma vez
estou á janela, no sete A, entre tantos pensamentos ruidosos, me desfiz em
nada, passei a contemplar a decolagem, e certos minutos perguntava-me porque
estava ali! Sem resposta que pudesse satisfazer, fiquei a admirar o trabalho
das elegantes aeromoças, e por momentos a trocar gentilezas com uma delas.
Exatamente na hora prevista pouso em solo catarinense, cheguei ao meu destino,
não sei o que me espera aqui, o que posso dizer é que sigo neste duelo heroico
de matar ou não este amor que habita em mim.
"Não sei, hoje não sei! O teatro fechou, o circo foi embora, o macaco ficou! O cinema emudeceu. Hoje não entendo nada. O cinismo da imagem, a vulgaridade das palavras, Hoje o poeta está doente e dessa vez é verdade. Meu nome, Teu nome não importa, o julgamento alheio é natureza indiscutivelmente humana, minha condenação é feita por mim mesma, contra meus impulsos e a favor da real verdade. O sino da catedral tocou, a tua mentira exalou, o que outrora querias, hoje por te foi renegado!? Mas diante tudo não sei, me perdi na loucura infantil de provar algo pra alguém, inútil, mas que seja agora passado do pretérito imperfeito; não sei se posso chamar este voo de recomeço, mas, contudo deveras ser no mínimo o ponto de partida para algo de novo; mas enfim, não sei e hoje prefiro assim! To perdida em meu próprio vagão, procurando nos escombros da alma o talismã que ainda esta em mim, algo que vive a se esconder, mas que é meu, e preciso conscientemente instalar no seu devido lugar. Hoje tenho apenas que fechar as malas me despedir de metade do meu "eu" e literalmente voar!"